Na última semana, circulou nas redes sociais uma notícia no mínimo curiosa: uma mãe foi processada porque sua filha, celíaca, não compartilhou um pedaço de bolo de cenoura com um coleguinha na escola. O caso, embora pareça caricato, expõe questões profundas sobre o papel da educação, da mediação de conflitos e, especialmente, da escola como espaço formativo.
A primeira camada da reflexão passa pelo olhar para a criança com restrições alimentares. Ser celíaco exige cuidados constantes, como levar lanche próprio e evitar contaminações que podem afetar seriamente a saúde. O gesto de não compartilhar, nesse contexto, não é sinal de egoísmo, mas uma forma de autocuidado. No entanto, isso precisa ser compreendido e explicado pelo ambiente escolar.
E é aí que a postura da escola merece atenção.
Como é possível que um conflito tão simples tenha escalado ao ponto de virar um processo judicial? Onde estava a mediação da equipe pedagógica? Como foram orientadas as crianças envolvidas, as famílias e os demais alunos?
A escola é, por natureza, um espaço de aprendizagem social. Mais do que ensinar conteúdos, ela forma cidadãos. E isso inclui ensinar o valor da empatia, da convivência com as diferenças e, principalmente, da escuta diante dos conflitos. Quando uma escola se omite, se silencia ou terceiriza seus conflitos à justiça, ela abdica de uma de suas funções mais nobres: a de ser mediadora da vida em grupo.
Conflitos entre crianças são naturais. Fazem parte do crescimento, da construção da identidade e da socialização. O problema não é o conflito em si, mas como ele é conduzido pelos adultos. Se a escola não acolhe, não orienta, não explica, não posiciona, abre espaço para interpretações distorcidas, mal-entendidos e, como neste caso, decisões extremas.
Também é papel da escola informar e sensibilizar as famílias sobre as condições específicas de seus alunos. Uma criança com alergia, intolerância ou necessidade especial não deveria ser tratada como exceção incômoda, mas como oportunidade de promover empatia e ampliar repertórios. E isso precisa ser feito com diálogo, afeto e firmeza.
Este episódio serve de alerta: estamos educando para a convivência ou apenas ensinando conteúdo? Estamos formando adultos capazes de lidar com frustrações e diferenças ou incentivando a judicialização precoce da vida?
No fim das contas, esse bolo de cenoura revelou muito mais do que uma intolerância alimentar. Ele escancarou uma intolerância à convivência. E isso, definitivamente, precisa ser revisto nas casas, mas principalmente nas escolas.
Foto: Colégio Santa Maria – RJ
3 Comentários
Isso serve de alerta para os pais, que ao invés de conversar com o filho e explicar o problema sério que é uma intolerância alimentar que em alguns casos pode levar até a morte, esses sim foram intolerantes e levaram a situação ao extremo… as escolas deveriam abordar melhor esses temas em sala de aula para não deixar margens para que uma situação dessa se repita.
Parabéns pelo excelente texto Jaque!
Cada lição aprendida é um passo em direção ao futuro que estamos construindo.
Esta Mãe que tomou esta decisão, coitada ainda está em faze de “MATURAÇÃO”!
Pra isso serve a escola como “trampolim”!.
Parabens pela matéria, Jaque!
Parabéns, Jaque, pelo excelente texto. Você abordou de forma clara e pertinente um tema que vai além do episódio em si, destacando a importância da escola como mediadora de conflitos e formadora para a convivência. Situações como essa precisam ser tratadas com diálogo e bom senso, evitando a judicialização precoce e valorizando o aprendizado social.